Obra de Antonio Torres Montenegro resgata memória de padres perseguidos pela ditadura no Brasil

Publicado originalmente em 05/08/2019 19:10 Por Redação Carta Maior

O livro Travessias: padres europeus no nordeste do Brasil (1950 – 1990) é resultado de um projeto de vinte anos. No final do século XX, quando desenvolvia uma pesquisa acerca da atuação das Ligas Camponesas e a disputa com o Partido Comunista e, também, com a Igreja Católica pela hegemonia na condução das lutas dos trabalhadores rurais em Pernambuco, o autor passou a entrevistar padres que tiveram atuação no meio rural do Nordeste. Foi então que descobriu um significativo movimento de emigração de padres da Europa e da América do Norte para o Brasil convocados pela Encíclica Fidei Donum de 1957. Uma das missões precípuas destes era, além de suprir a carência de vocações em muitas dioceses, combater o comunismo e o avanço de outras religiões. No cenário internacional vivia-se um período de acirramento da guerra fria.

Ao realizar entrevistas de história oral com padres, sobretudo europeus, que passaram a atuar no Nordeste do Brasil, a partir do final da década de 1950, Antonio Montenegro apreendeu vivências profundamente marcantes que expressavam os desafios por eles enfrentados. Desde a lenta e desafiadora aprendizagem da língua até as complexas e difíceis questões relacionadas às múltiplas e imperceptíveis diferenças culturais. Por outro lado, os padres, cedo, descobrem o choque entre a missão oficial de combate ao comunismo e o comportamento cristão de apoio e solidariedade aos mais pobres. Muitos passaram a ser reconhecidos e nomeados de comunistas, perseguidos pelas classes proprietárias e pelas autoridades policiais e militares, sobretudo, após o golpe de 1964.

Após realizar inúmeras entrevistas o autor selecionou cinco padres europeus que, na sua leitura, se destacavam pelas experiências que relataram: a infância vivida na Europa no período da segunda guerra mundial; a vida no seminário; a ordenação e a opção por ser missionário na América Latina, que se traduzirá pela vinda ao Brasil. As narrativas que constroem possibilitam compreender como homens simples transformaram suas vidas em experiências extraordinárias. Ao mesmo tempo, testemunharam um grande número de eventos que potencializaram cruzamentos com diversas coleções documentais, o que possibilitou ampliar – acredita – a compreensão e o debate sobre a temática “Igreja Católica e Política” durante a ditadura de 1964 a 1985.

No entanto, com este importante registro oral em mãos novos desafios se apresentaram. O primeiro foi a decisão do autor de não querer apenas publicar mais um livro de entrevistas com religiosos. Avaliou importante que os leitores, tanto os seus pares, historiadores, quanto os de outras áreas, pudessem situar-se historicamente, no nível internacional e nacional. Desse modo, o livro deveria também apresentar uma compreensão dos cenários político, econômico, social e cultural em que as experiências relatadas se contextualizavam. Por outro lado, as próprias entrevistas exigiram notas explicativas: sobre religiosos(as), políticos e autoridades citadas; sobre as inúmeras cidades em que viveram ou tiveram experiências significativas; sobre eventos, sobretudo os relacionados à Igreja Católica. Assim os cinco testemunhos de história de vida dos Padres foram contempladas com mais de 400 notas.

Ao avançar na pesquisa sobre os padres Fidei Donum no Nordeste do Brasil, Antonio Montenegro constatou que ao longo de vinte anos foi se formando uma significativa historiografia de teses e dissertações, relacionada aos padres Fidei Donum, que não deveria ser esquecida. Ler e comentar importantes trabalhos acadêmicos sobre a atuação de diferentes padres Fidei Donum no Nordeste do Brasil foi outra etapa dessa caminhada. O livro foi o lançado no 30º Simpósio Nacional de História na UFPE, que reuniu mais de cinco mil profissionais da área de história em Recife na semana de 15 a 19 de julho de 2019. Tem lançamento marcado no Rio de Janeiro no dia 27 de setembro no Colégio Brasileiro de Altos Estudos (CBAE) da UFRJ a partir das 17 horas na praia do Flamengo.

FONTE – CARTA MAIOR