Comissão da Anistia indefere 85% dos pedidos de reparação a perseguidos políticos em 2019

Publicado originalmente em 16/12/2019 - 18h37 / Atualizado em 16/12/2019 - 22h

Sob o ministério de Damares, dos 2.717 casos julgados neste ano, 2.299 foram indeferidos e 338, aprovados

Em um ano marcado por polêmicas, a Comissão da Anistia indeferiu 85% dos pedidos julgados neste ano. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmados pelo GLOBO. Segundo dados do órgão, dos 2.717 casos julgados neste ano, 2.299 foram indeferidos e 338 foram aprovados. O número de indeferimentos é o maior desde 2015, quando os dados as estatísticos da comissão começaram a ser digitalizados. Para a presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (ABAP), Clelia Hunke, o ano de 2019 foi “horroroso” para os perseguidos políticos e familiares que ainda aguardam uma reparação do estado.

As polêmicas em torno da Comissão da Anistia começaram logo no início do ano, quando o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) retirou o órgão do comando do Ministério da Justiça, onde estava desde a sua criação, em 2002. Desde o início de 2019, a comissão está vinculada ao ministério comandado por Damares Alves.

Os 2.299 processos indeferidos são mais que o dobro de indeferimentos registrados em 2018, quando 1.046 pedidos foram rejeitados. Em 2015, ano que até então havia registrado o maior número de indeferimentos, os pedidos rejeitados haviam chegado a 1.453.

Assim como houve aumento no número de pedidos rejeitados, o número de pedidos deferidos também cresceu em relação aos anos anteriores. Em 2018, foram apenas 48 pedidos aprovados. Em 2017, foram 52. Em 2016, o número foi ligeiramente maior: 342.

presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (ABAP), Clelia Hunke

presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos (ABAP), Clelia Hunke

Apesar de os números apontarem para um aumento na quantidade de pedidos deferidos, Clélia Hunke argumenta que parte dessas aprovações são resultado de demandas judiciais. Esses são casos em que o governo é obrigado a conceder o status de anistiado político por força de uma decisão judicial. De acordo com a comissão, em 2019, 46 deferimentos aconteceram por determinação judicial.

— A gente sentiu uma grande má-vontade da comissão neste ano. O cenário que era ruim durante a gestão do ex-ministro da Justiça Torquato Jardim ficou ainda pior agora. Não há a menor sensibilidade dos integrantes da comissão com o perseguido político no Brasil. Há milhares de processos ainda pendentes de julgamento —  afirmou Clélia.

Entre os pedidos pendentes de julgamento está o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que foi presa e torturada durante a ditadura militar na década de 1970. O pedido deveria ter sido julgado em junho deste ano, mas foi retirado da pauta e ainda não há previsão para ser avaliado pela comissão.

Além de tirar a comissão do Ministério da Justiça, o governo também alterou o regimento interno do órgão. A intenção era reduzir a quantidade de recursos aos quais os requerentes poderiam ter acesso em caso de indeferimento.

Mas a principal alteração no funcionamento da comissão se deu na sua composição. Na gestão Bolsonaro, a comissão recebeu integrantes simpáticos à ditadura militar. Entre eles está o general Luiz Eduardo Rocha Paiva. Ele é tido como um admirador do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) como um dos principais torturadores do regime militar.

Além disso, o atual presidente da comissão, João Henrique Nascimento de Freitas, é autor de uma ação popular que suspendeu o pagamento de indenização à família do guerrilheiro Carlos Lamarca, morto pelas forças da repressão em 1971. Freitas é ex-assessor do senador Flávio Bolsonario (sem partido/RJ).

— Estamos muito preocupados com o futuro da comissão. Eles estão inviabilizando o funcionamento dela — afirmou Clélia.

A Comissão da Anistia foi criada em 2001 durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Desde então, mais de 78 mil pedidos foram encaminhados ao órgão. Desse total, aproximadamente 39 mil foram deferidos. Aproximadamente 10,6 mil estão pendentes de julgamento.

A reportagem do GLOBO solicitou detalhamentos sobre os dados divulgados da comissão em 2019, mas até o fechamento desta matéria não houve resposta.

FONTE – O GLOBO