Justiça acolhe recurso do governo federal por direito de comemorar o golpe militar de 1964

Publicado originalmente em 17/03/2021 - 20:42

Deputada Natália Bonavides entrou com ação após o ministério da Defesa publicar nota que celebrava a ditadura

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) derrubou uma decisão que impedia o governo federal de celebrar o golpe militar de 1964. Por quatro votos a um, os desembargadores da Terceira Turma cassaram a liminar que havia determinado a retirada de uma nota publicada no site do Ministério da Defesa comemorando a data e vetado qualquer iniciativa semelhante “em rádio, televisão, internet ou qualquer meio de comunicação escrita e/ou falada”.

A decisão em primeira instância havia sido tomada em abril do ano passado, mas o governo federal recorreu e, nesta quarta-feira, o colegiado acolheu os argumentos da Advocacia-Geral da Uniçao (AGU).

Segundo o relator do caso, desembargador federal Rogério Fialho Moreira, “a Ordem do Dia (a nota), na forma como formulada, não ofende os postulados do Estado Democrático de Direito nem os valores constitucionais da separação dos Poderes ou da liberdade, de modo a ensejar a interferência do Judiciário em sede de ação popular”.

A nota do dia 31 de março de 2020, assinada pelo ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e pelos três chefes das Forças Armadas, classificava o golpe que deu início ao regime militar como um “marco da democracia brasileira” e diz que “o Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época”.

“Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo.”, exaltava a publicação.

Após a manifestação do Ministério da Defesa, a deputada federal Natália Bonavides (PT-RN)  ingressou com uma ação popular com o argumento de que o uso do aparato público para tentar legitimar o golpe vai contra a Constituição Federal de 1988 e o estado democrático de direito.

O pedido foi aceito pela juíza federal Moniky Mayara Costa Fonseca da 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, que determinou a retirada da publicação do site do ministério e expandiu o entendimento do mérito, proibindo a União de postar qualquer anúncio comemorativo relativo ao golpe em rádio e televisão, internet ou qualquer meio de comunicação escrita e/ou falada. Segundo ela, o texto do ministério foi “nitidamente incompatível com os valores democráticos insertos na Constituição de 1988”.

A União alegou que a publicação não causou lesão ao patrimônio, que uma Ação Popular não era o instrumento jurídico correto e defendeu o direito de o governo promover ações para comemorar a data.

“Querer que não haja a efeméride para o dia 31 de março de 1964, representa impor somente um tipo de projeto para a sociedade brasileira, sem possibilitar a discussão das visões dos fatos do passado – ainda que para a sua refutação”, defendeu a AGU.

Para a deputada Natália Bonavides, a decisão do TRF-5 é “inadmissível” e “incompatível com os parâmetros constitucionais”. Segundo a parlamentar, a reversão da decisão em primeira instância torna o caso mais grave, já que ela proibia expressamente outras manifestações pró-ditadura.

— A Constituição reconhece a ditadura e é uma tese jurídica pacífica o fato de que a liberdade de expressão não protege discursos violadores de direitos humanos. Essa decisão dá aval para o Estado usar o aparato institucional e recursos públicos para exaltar um regime que matou, estuprou e torturou. Daqui a poucos dias chega o aniversário do golpe e vamos ver, mais uma vez, o governo comemorar um regime que cometeu crimes contra o seu povo — lamentou.

A deputada potiguar afirmou que aguarda a publicação do acórdão para ingressar com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF). A parlamentar também declarou que vai notificar a Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o ato do governo federal.

Fonte – O GLOBO