Rondônia e o Golpe Militar de 1964 – Final

1. O golpe militar, ou revolução redentora, ou regime militar, ou ditadura militar, deixou marcas e cicatrizes nos seus vinte e um anos de atividade. Não adiante dizer ao contrário. Mas, além de prender, torturar, expurgar, perseguir, cassar, censurar e aposentar servidores, existe outro lado, outra história e outra versão que a maioria dos historiadores, sociólogos, antropólogos, líderes políticos e dirigentes partidários fazem questão de esconder e, se possível, apagar da foto. Não dá para fazer isso. Mas está sendo tentado. Em Rondônia, por exemplo, a maioria dos acontecimentos que resultaram na criação do Estado, ocorreu por força dos interesses do regime militar.

Quando o golpe foi desfechado, Rondônia era um dos três territórios federais do país, além de Roraima e Amapá. Sua estrutura política estava assentada em dois municípios, Porto Velho e Guajará-Mirim, gigantescas áreas territoriais mas com pequenas cidades. O regime militar decidiu colocar os territórios sob a tutela das forças armadas. Destarte, Roraima passou à tutela da Aeronáutica, Amapá ficou sob o controle da Marinha e, Rondônia, do Exército. Por isso apareceu no cenário político rondoniense aquele certo capitão Anachreonte Coury Gomes, que, em trinta dias, prendeu, arrebentou e até formou seu staff de governo, como se governador fosse, nomeado, indicado ou eleito. Não era nada disso. Mas teve seguidores.

2. Ao ordenar ao governador em exercício, Eudes Camponizzi, que, para o bem de sua saúde ficasse doente, Anacreonte não perdeu tempo e formou seu governo que teve a seguinte composição: secretário-geral e de administração Mário de Almeida Lima; chefe de gabinete professor Dorival de Souza França, este seria seu principal aliado; Segurança Pública, Dr. Eli Gorayeb; Educação, professor Lourival Chagas da Silva; Obras, Dr. Calmon Viana Tabosa; Serviço de Geografia e Estatística, professor Rubens Cantanhede Mota; Serviço de Navegação do Guaporé, Hayden do Couto; Comando da Guarda Territorial, Eduardo Lima e Silva, “Seu Dudu”, que se tornou o principal executor das prisões políticas; prefeito de Porto Velho, Dr. Hamilton Raulino Gondim, médico. Prefeito de Guajará-Mirim, Clementino Gomes Pinheiro Castelo Branco; delegado de polícia da capital, tenente Orlando Freire, e, assessor de comunicação, jornalista Luís Tourinho. Era a força do regime militar e o medo que este regime desconhecido e escuro estava provocando. Um fato que pode resumir esta situação, foi quando militares chegaram à casa do médico Hamilton Raulino Gondim, para levá-lo até o palácio, onde seria informado de sua investidura como prefeito. Ao ver os soldados, o Dr. Gondim, nervoso, teria apontado imediatamente para o seu vizinho e sapecou: “o comunista mora aqui do lado”. Era a casa do médico Ary Tupinambá Pena Pinheiro.

3. Depois do fatídico período Anachreonte, vários oficiais superiores do Exército foram nomeados governadores de Rondônia. Veja a seguir a lista desses coronéis, majores e generais que, a serviço da ditadura militar, deram sua contribuição, para o bem ou para o mal, aos destinos do atual estado de Rondônia: coronel José Manuel Lutz da Cunha e Menezes, o primeiro; coronel Carlos dos Santos Mader (pai da atriz Malu Mader), coronel Flávio de Assumpção Cardoso, tenente-coronel José Campedeli, coronel João Carlos Marques Henriques Neto, coronel Theodorico Gayva, coronel Humberto da Silva Guedes e, o último, coronel Jorge Teixeira de Oliveira. Durante o regime militar vários fatores contribuíram para a criação do Estado de Rondônia, dentre os quais podem ser destacados: a criação do 5º. BEC e a erradicação da ferrovia Madeira-Mamoré, a elevação do Território Federal de Rondônia à condição de fronteira de expansão agropecuária e a atração migratória decorrente; a criação da província estanífera de Rondônia e a elevação de Porto Velho como capital mundial do estanho. A construção da UHE de Samuel, em Porto Velho (hoje Candeias do Jamari), a criação dos municípios de Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena, em 1977, e Jaru, Ouro Preto do Oeste, Presidente Médici, Espigão do Oeste, Colorado do Oeste e Costa Marques, em 1981, a fundação da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil,OAB, a abertura de cinco rodovias federais e a consolidação da BR 364, e alteração do modelo econômico de Rondônia, que passou do extrativismo vegetal para a produção agrícola e pecuária e, finalmente, a criação do Estado de Rondônia, a 23ª. Unidade Federada da União. Estes fatos podem ser criticados da forma como se quiser. Mas não se poderá apagá-los da História recente deste país.

4. O último governador nomeado pelo regime militar foi o coronel Jorge Teixeira de Oliveira. Em 1979 ele assumia o governo do Território Federal de Rondônia, com uma missão a cumprir: reunir condições geopolíticas para elevar o Território à categoria de Estado. Foi o último governador do Território Federal de Rondônia e o primeiro do Estado. Militar condecorado, ex-prefeito de Manaus, soube conquistar para suas hostes antigos militantes de esquerda, comunistas orgânicos e os chamados “melancias” aqueles que eram verde por fora mas vermelho por dentro. Até os dias atuais, nenhum governador, de Angelim a Confúcio, conseguiu superar o coronel Jorge Teixeira, em se tratando de projetar a imagem a angariar reconhecimento. Único governador do Estado falecido, tem seu nome gravado em avenidas, praças, escolas, terminais viários e em dois municípios. Como escrever a histórica do ciclo dos generais neste país e omitir ideologicamente a verdade histórica, como vem sendo feito, sem o risco de se sacrificar a memória política do Brasil e, no caso específico, de Rondônia?

Por Francisco Matias – Historiador e analista político

 

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